Dos templos budistas e tumbas reais na histórica Gyeongju, à pulsante de Seul, uma semana no país do pop.
Por Marina Valle, da Coreia do Sul.
Não faz muito que uma onda vinda lá do outro lado do mundo, tem tomado nossas telas com seus grupos musicais e dancinhas coreografadas no TikTok, seus teledramas, as Doramas, na Netflix, rostos de influencers reluzindo no feed do Instagram, após testar o último lançamento do skincare “Made in Korea”… Um fenômeno que vai da música às novelas e a indústria da beleza, a Coreia que exporta sua cativante cultura tem atraído a curiosidade do mundo todo.
SEUL
Na capital do país, Seul, arranha-céus modernos e edifícios futuristas como o Dongdaemun Design Plaza – um projeto de Zaha Hadid que mistura de museu, centro de convenções e casa de criadores – contrastam com palácios imperiais, templos budistas, mercados de rua centenários e as “hanoks”, residências tradicionais preservadas no distrito de Jongno. Patrimônio Cultural Mundial da UNESCO, o Palácio Changdeokgung serviu de morada para os membros da Dinastia Joseon entre os séculos 14 e 20, com suas mais de 7 mil acomodações e o encantador Jardim Secreto, com lagos e árvores centenárias. Por ali sul-coreanos de todas as idades caminham por entre seus pavilhões vestindo os típicos “hanboks” – que para as mulheres consiste em uma saia longa e armada em seda e algodão, e para os homens uma espécie de quimono com um curioso chapéu de copa comprida feito de um tecido em tela preta. O local é visita obrigatória para aprender sobre a história monárquica da Coreia, regida sob duas dinastias ao largo de quase dez séculos, até ser ocupada pelos japoneses. Foi só após a II Guerra Mundial que a independência pela qual os coreanos almejavam tanto, chegou. Contudo, na eclosão da Guerra Fria, as forças americanas ocuparam a metade sul da península e as tropas soviéticas tomaram controle do norte, originando a divisão política a qual conhecemos hoje, de duas repúblicas independentes: A Coreia do Sul e a Coreia do Norte.
De um passado assolado por guerras, é surpreendente ver como os sul-coreanos alcançaram de forma tão dinâmica a bonança econômica, trazida pelo avanço industrial altamente tecnológico, produzindo chips, carros e celulares. Um exemplo a todos nós, é também referência em Educação de qualidade: segundo o Banco Mundial, a Coreia do Sul investe cerca de 5% do seu PIB no sistema de ensino público.
Tal avanço é perceptível na cordialidade das pessoas, na excelência dos serviços, e no urbanismo de vanguarda de Seul. Com quase dez milhões de habitantes, a cidade ressignificou muitos seus espaços públicos em modelos de sustentabilidade e bem-estar comunitário. O maior exemplo é Cheonggyecheon – um antigo riacho acimentado nos anos 50, com uma via expressa elevada tal como o nosso “Minhocão”, de São Paulo. Após um investimento com a iniciativa privada, a prefeitura devolveu vida a este curso d’água que atravessa quase 7 km de uma zona que até então era desvalorizada, recriando em 2005 o que é hoje maior corredor verde urbano do planeta. Suas margens servem de local para esportes, passeios e suas águas limpas deságuam no rio Han.
Seul é conectada por um eficiente sistema de transporte, onde se consegue chegar facilmente em seus bairros. Talvez o mais famoso deles, Gangnam foi tema da música mais tocada nas duas últimas décadas, recorde em streamings no Youtube, “Gangnan Style”, do cantor PSY. O bairro também e respira glamour: uma concentração de gente jovem e bem vestida caminhando por entre megalojas de grife, gravadoras de K-pop, cafés graciosos e karaokês. Não deixe de conferir a Livraria Starfield, que se tornou um ponto turístico pelo design e iluminação. Ainda em Gangnam, em frente ao Parque Dosan, está o belíssimo spa da Sulwhasoo, a marca mais celebrada de cosméticos da Coreia cujos produtos carregam ativos do ginseng, uma raíz medicinal que auxilia na disposição física e mental. E falando em saúde, os coreanos levam tão a sério os cuidados com o bem-estar e a beleza, que seus produtos se tornaram um fenômeno global: há cremes e sérums rejuvenescedores, ampolas e máscaras para literalmente tudo. O melhor lugar para encontrar esta imensa variedade a precinhos irresistíveis é na Olive Young, a mais famosa rede de perfumaria da Coreia. Em Myeongdong fica a flagship store deles, com dois andares de prateleiras a perder de vista, e promoções daquelas compre um, leve dois. Esta região é também salpicada de opções gastronômicas, quase sempre de restaurantes locais e casas de churrasco: a mesa coreana, aliás, é bastante colorida, centrada em legumes cozidos ou grelhados junto a um tipo de carne. O “kimchi” – uma conserva fermentada, geralmente de repolho ou acelga, mas há quase 200 tipos – é um ícone e não falta como acompanhamento de qualquer prato. Outra receita imperdível é o “bibimbap”, um arroz ao estilo “mexidão”, com ovos, legumes e carne.
Mas é o bairro universitário de Hongdae que está o puro suco da onda coreana de hoje, com suas vias de pedestres apinhadas de gente, músicos de rua, estúdios fotográficos, e tanta informação visual que chega a arder os olhos. É lá que os grupos de K-pop se apresentam, e ainda pedem aos passantes avaliação. A simpática cantora Yewon me parou, me entregou fones de ouvido e me convidou para a audição de sua nova faixa que seria lançada na semana seguinte. Uma melodia romântica de voz suave e batidas eletrônicas, aprovei, e lhe dei os parabéns. É desta maneira que muitos dos grandes artistas da indústria do entretenimento do K-pop começaram, tais como o BTS e as BLACKPINK.
DMZ, a Zona Desmilitarizada
Explorando agora para além de Seul, a 45 minutos de carro está a DMZ, a Zona Desmilitarizada, – um mergulho nos capítulos que envolveram a divisão da Coreia em duas políticas de estado e realidades tão opostas. A melhor maneira de chegar é comprando um tour coletivo que leva até a região de Paju, num ponto desta fronteira de 248 quilômetros de extensão e 2 km de recuo que separa os dois países. Uma espécie de zona de salvaguarda da paz, o objetivo da DMZ é evitar a presença militar e de seus arsenais. Do alto do Observatório Odusan, observo, de binóculos e com uma curiosidade sem precedentes, a Coreia do Norte do outro lado do Rio Imjinjang: um cenário que parece parado no tempo, de casas antigas, edifícios públicos e plantações. Não há carros. As poucas pessoas que consigo ver, caminham. Fico imaginando a limitação imposta à vida destes cidadãos sob um regime ditatorial tão rigoroso. O passeio segue para um outro ponto da fronteira onde ficavam os túneis de guerra – as emboscadas dos norte-coreanos para invadir o país vizinho durante a Guerra das Coreias (1950 – 1953), até hoje preservadas. Ainda que ventilados e bastante seguros para visitação, não recomendo para quem tem claustrofobia, uma vez que no Terceiro Túnel, por exemplo, caminha-se ida e volta por um quase um quilômetro.
GYEONGJU
A 3 hrs de carro de Seoul, Gyeongju preserva 52 sítios históricos listados pela UNESCO, incluindo templos budistas, palácios e tumbas reais, cercados de montanhas verdes e matas preservadas. Uma visita obrigatória, a Tumba de Daereungwon, descoberta em 1973 após escavações, preserva os rituais funerários utilizados durante a Dinastia Silla, entre um sarcófago de madeira próprio, que tal como os egípcios, é ladeado de todos os tesouros do nobre exumado. São mais de 100 tumbas silla no país e curiosamente elas têm a forma de pequenos montes de terra de até 5 metros de diâmetro, como se uma sequência de colinas.
Se as tumbas são numerosas, espere para ver os templos budistas, que estão por todos os cantos. No Templo Bulguksa, do ano de 776, as batidas do moktak, um pequeno chocalho de som suave, conduzem os cânticos dentro de construções portentosas, de telhados e paredes com desenhos pintados à mão, sempre cercados de jardins simétricos. Empatado ao protestantismo (17%), o budismo é a manifestação religiosa mais praticada da Coreia (16%). Outro centro religioso interessante, pelo fato de nele residirem apenas monjas, o Templo Unmoonsa (560) é o maior da Coreia, com trinta construções beirando um riacho cristalino.
De Seul ao interior, a Coreia do Sul mostra que toda esta onda pop que conquistou o Mundo, ali se faz presente sem jamais desprender-se de suas raízes históricas e valores ancestrais.
Uma herança cultural que é orgulho que faz do futuro já ser algo presente.
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