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O fim da reparação histórica para os judeus sefarditas e seus descendentes: A Segunda Inquisição?

A maior parte dos trabalhos ocorrem das 7h às 17h, em trechos que cortam municípios como Engenheiro Caldas e Ubaporanga

No ano de 1492 a Espanha expulsou do seu território os judeus que nele habitavam. Cerca de 120 mil judeus
espanhóis foram para o país vizinho, Portugal, e ali se juntaram aos judeus que já moravam em Portugal há
muitos anos. No ano de 1497, Portugal tinha uma população de cerca de um milhão de habitantes, dos quais
duzentos mil ( 20% do total da população lusitana ) eram judeus. A Península Ibérica nos tempos de outrora era
conhecida pelo nome hebraico Sefarad, por isso os judeus que viviam em Espanha e Portugal ficaram
conhecidos como judeus sefarditas. No ano de 1497, os judeus sefarditas portugueses foram obrigados pelo
Estado Português a se converterem ao Cristianismo, sendo forçados abandonar a sua crença religiosa, o
Judaísmo e trocar de nomes, o que constituiu-se num triste e insano apagamento/cancelamento de suas
identidades judaicas. Durante o período da Inquisição em Portugal e suas colônias, o Estado Português
perseguiu, torturou e matou centenas de judeus sefarditas, impediu o acesso dos mesmos a cargos públicos e
confiscou os seus bens, colocando-os numa situação de extrema pobreza, num ato totalmente claro de anti-
semitismo, para não dizer anti-judaísmo. Os horrores da Inquisição Portuguesa só teriam fim em Portugal e
suas colônias no ano de 1821. Cento e noventa e quatro anos depois do término da Inquisição Portuguesa,
Portugal viria a publicar, mais exatamente em 27 de fevereiro de 2015, um decreto que possibilitaria aos
descendentes desses judeus sefarditas que foram perseguidos e expulsos de terras lusitanas há 400 anos atrás, o
direito de se tornarem novamente cidadãos portugueses.


A partir daí os judeus portugueses que foram obrigados a aderir ao Cristianismo, se tornaram
conhecidos nas terras portuguesas como cristãos-novos, para se diferenciarem dos cristãos-velhos, os
portugueses que eram cristãos há muitas gerações. Os cristãos-novos, perseguidos pela Inquisição cujo
Tribunal do Santo Ofício começou a atuar de forma sistemática em Portugal e nas colônias portuguesas (
dentre elas, o Brasil ), vieram então se abrigar na terra do pau-brasil. Em território brasileiro se estabeleceram
maciçamente no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, aonde mesmo assim foram denunciados para a
Inquisição, que durou no Brasil de 1536 até o ano de 1821. Nos séculos XVI E XVII no Estado de São Paulo
se estabeleceram várias famílias de origem judaica, como os Bicudos, Buenos, Quadros, Alvarengas, Freitas,
Gomes da Costa, Mottas, Barretos, Pedroso de Barros, Vaz de Barros, Cardoso de Negreiros e Vaz Coelho. Os
descendentes dessas famílias, durante o ciclo do ouro em Minas Gerais, migraram para as plagas mineiras,
aonde deram origem a várias outras famílias.

Também para Minas Gerais no século XVIII se estabeleceram várias famílias açorianas de origens
judaicas sefarditas. As famílias mineiras de origem judaica sefardita ( cristã-nova ) são: Oliveira Campos,
Vaz dos Reis, Sampaio, Souza Castro, Costa Pereira, Marques Palmeira, Rodrigues dos Santos, Bernardes
Pereira, Fernandes de Castro, Monteiro de Barros, Monteiro da Silva, Monteiro de Castro, Batista Leite,
Campos, Bueno de Moraes, Castro, Nogueira da Gama, Godoy, Fructuoso Machado, Pereira Lago, Terra,
Ferreira de Assunção, Borges Pacheco, Pacheco Borges, José Borges, Borges de Araújo, Araújo Borges,
Martins Borges,
Mateus Borges, Pinto de Rezende, Moreira das Neves, Furtado de Mendonça, Paiva, Carvalho, Badaró, Pinto
Bayão, Vilela, Luiz da Costa, Rodrigues de Menezes, Cunha de Aguiar, Ferreira da Luz, Cruvinel, Inácio
Ferreira, Nunes da Costa, Costa Souza, Pinto Ferreira, Pinto Cordeiro, José Barbosa, Rosário Vieira de
Azevedo, Alves de Moura, Pereira Gomes, Bernardes do Espírito Santo, Ferreira Barbosa e várias outras
famílias mineiras.


No século XVIII, por causa da mineração do ouro, vieram para Minas Gerais 800.000 imigrantes
portugueses, dos quais 400.000 eram de origem cristã-nova. Foi assim também que, além do sangue judaico
já trazido pelos paulistas, que o sangue de mais descendentes dos filhos de Israel veio a fazer parte de
inúmeras famílias das Minas Gerais. Posteriormente os mineiros e paulistas de origem judaica sefardita
povoaram o Estado de Goiás, Estado esse no qual vive atualmente milhares de goianos de ascendência
judaica sefardita. Famílias goianas como a família Jayme e inúmeras outras possuem em suas veias o sangue
de Jacó, neto de Abraão. Também o eram descendentes de judeus sefarditas Cora Coralina e Bartolomeu
Bueno da Silva Filho, o Anhanguera II.


O Decreto-Lei nº 30 A/2015 teve como uma das suas principais propostas fazer uma reparação histórica
aos descendentes de judeus sefarditas portugueses em virtude das perseguições movidas pelo Estado Português
contra os seus antepassados no período da Inquisição. Milhares de descendentes de judeus sefarditas
portugueses espalhados pelo Brasil e em outros vários países do mundo começaram então a requerer a
cidadania portuguesa via judeus sefarditas na Comunidade Israelita de Lisboa ( CIL ) e na Comunidade Israelita
do Porto ( CIP ). A Comunidade Israelita do Porto ( CIP ) respondia por cerca de 80% dos certificados oficiais
de ascendência judaica e a Comunidade Israelita de Lisboa ( CIL ) respondia por cerca dos 20% dos
certificados restantes. O Certificado Oficial de Ascendência Judaica emitidos por essas duas comunidades
israelitas sediadas em Portugal era e ainda é o principal documento requerido para se conseguir a tão almejada
cidadania portuguesa via judeus sefarditas.


O texto do Decreto-Lei n° 30 A/2015 contemplava e ainda contempla somente os descendentes dos
judeus sefarditas e não os descendentes de judeus asquenazitas, que não vivenciaram a triste época da
Inquisição em Portugal e suas colônias, notadamente o Brasil, abrigo/refúgio de milhares de judeus sefarditas
fugidos da Inquisição Portuguesa. Mas infelizmente, mais tarde os tentáculos da Inquisição Portuguesa
alcançaram o Brasil. São inúmeros os processos inquisitoriais de cristãos-novos do Brasil que se encontram nos
arquivos da Torre do Tombo em Lisboa. Centenas de judeus sefarditas e descendentes de judeus sefarditas
foram perseguidos pela Inquisição Portuguesa em solo brasileiro. De acordo com um texto publicado pela

Sociedade Genealógica Judaica, estima-se que cerca de 150 a 200 milhões de Euros foram arrecadados de 2015
a 2020 com a nacionalidade portuguesa via judeus sefarditas.

Porém, há alguns dias, a lei que possibilitava a reparação histórica e até mesmo uma oportunidade de
vida melhor para os descendentes de judeus sefarditas portugueses sofreu um golpe mortal, que praticamente
anulou a proposta de reparação histórica do Decreto-Lei n° 30 A/2015. O caso Roman Abramovich, o bilionário
judeu russo asquenazita que obteve aparentemente de forma ilegal ( o caso ainda está sendo investigado ) a
cidadania portuguesa via judeus sefarditas em apenas seis meses pela Comunidade Israelita do Porto ( CIP ) e
também o caso do rabino Daniel Litvak ( o rabino da Comunidade Israelita do Porto ) aparentemente envolvido
em esquemas de corrupção ( esse caso também ainda está sendo investigado ) levou a mudanças significativas
no Decreto-Lei n° 30 A/2015, o que obrigou o governo português a publicar de maneira rápida e sem tempo para
se fazer os debates sérios e necessários, no dia 18 de março de 2022 um novo decreto que praticamente está
impedindo 99% dos descendentes de judeus sefarditas espalhados pelo Brasil e por vários outros países a
requererem a cidadania portuguesa via judeus sefarditas. Embora as mudanças relacionadas à lei de concessão
de nacionalidade via judeus sefarditas estivessem sendo discutidas já há algum tempo em Portugal antes do
caso Roman Abramovich, o fato é que, com a recém guerra da Rússia contra a Ucrânia, a perseguição midiática
em torno de Roman Abramovich pelo fato do mesmo ser cidadão russo muito contribuiu para que as alterações
na lei dos sefarditas fossem implementadas de forma ligeira e sem espaço para análises e debates corretos.
O Decreto-Lei nº 26/2022 em uma das suas exigências, estabelece que os descendentes de
judeus sefarditas portugueses devem fornecer ao governo português certidão ou outro documento comprovativo
de titularidade transmitida mortis causa ( advindos de heranças ) de direitos reais sobre imóveis sitos em
Portugal, de outros direitos pessoais de gozo ou de participações sociais em sociedades comerciais ou
cooperativas sediadas em Portugal ou de deslocações regulares da vida a Portugal . Somente para os filhos,
netos e bisnetos de portugueses é que existe a real possibilidade de receber imóveis ou cotas de participações
sociais situadas em sociedades comerciais e cooperativas em Portugal de herança. Mas e quantos aos
descendentes de judeus sefarditas cujos antepassados viveram em Portugal e suas colônias há quatrocentos anos
atrás? Não existe para esses nenhuma possibilidade de receber heranças, já que as suas heranças foram
confiscadas dos seus antepassados judeus sefarditas pelo Estado Português há muitos anos.

Portugal vive atualmente num momento de envelhecimento da sua população e de escassez de
mão de obra de trabalho jovem. A economia portuguesa precisa de jovens e do aporte financeiro desses mesmos
jovens e dos postulantes à cidadania portuguesa via judeus sefarditas para que haja melhorias econômicas e
sociais em sua sociedade. Mas a pergunta que não quer calar é: Por causa de alguns supostamente culpados de
adquirir de forma ilegal a cidadania portuguesa via judeus sefarditas, milhares de descendentes de judeus
sefarditas postulantes à cidadania portuguesa nessa modalidade serão prejudicados, como já estão sendo? É isso
justo, os inocentes pagarem pelos pecadores? Que apenas os culpados, após criteriosa investigação e
julgamento, sejam pois então punidos, mas não os inocentes, que estão gastando os seus parcos recursos para
serem reconhecidos oficialmente como descendentes de judeus sefarditas e para terem de volta o direito a morar em Portugal, direito esse que foi subtraído dos seus antepassados judeus sefarditas pela expulsão movida pelo
Estado Português em 1497.

Será para os descendentes de judeus sefarditas esse o fim da louvável e histórica reparação? Será essa a
Segunda Inquisição?

Acredito que agora é o momento de todos os descendentes de judeus sefarditas se unirem e somarem
esforços com associações, sociedades, federações, comunidades judaicas, institutos históricos/genealógicos e
museus para que a bandeira da causa sefardita seja levada ao Parlamento Português e ao conhecimento das
autoridades portuguesas e israelitas, para que os direitos concedidos pelo Decreto-Lei n° 30 A/2015 não sejam
extremamente dificultados e para que os direitos do Decreto-Lei nº 26/2022 não venham a contemplar somente
uma minoria financeiramente habilitada a postular a cidadania portuguesa via judeus sefarditas, mas a todos(as)
os(as) postulantes de uma forma mais justa.

Por Daniel Ferreira da Silva
Historiador
e Genealogista

Associado da ABRADJIN ( Associação Brasileira dos Descendentes de Judeus da Inquisição )