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Rio de Janeiro (Botafogo), herói por acaso

POR: ABELARDO JUREMA FILHO

Deixar a casa de número 27 da Rua Cesário Alvim, onde passamos os melhores momentos de nossas vidas, era um rude golpe para mim e para meus irmãos.

Sair dali representava deixar para trás todos os nossos sonhos, os nossos amigos, as nossas primeiras experiências infantis. Significava nunca mais ouvir o nosso papagaio dizer “dá o pé, louro!”, dar adeus às peladas no meio da rua, esquecer o carrinho de rolimã, a bicicleta, as brincadeiras de pique bandeira.

Ir para Copacabana, mesmo que para ocupar apartamento amplo de cinco quartos na rua Professor Gastão Bahiana, a última da Barata Ribeiro, antes do túnel que leva ao Posto 6, representava mais um exílio na família. Agora, sim, nos sentíamos todos exilados como o meu pai, mesmo sem sair do País.

Para quem foi criado em Botafogo, no Humaitá e no Largo dos Leões, acostumado a acordar com o leiteiro deixando o leite CCPL à porta das casas, mudar para Copacabana era o mesmo que sair da província para se fixar numa grande cidade, inteiramente impessoal, sem rosto, sem vizinhos e sem identidade.

A adaptação era difícil, parecia impossível. Lembro que ao chegar ao meu novo quarto – que dividiria com o meu irmão João Luiz – nos sentamos na cama e ficamos um longo tempo em silêncio, tentando assimilar o que aquilo representaria em nossas vidas.

Minha vinculação com o antigo bairro era tamanha que encontrei uma solução para ficar mais próximo dos meus amigos e do meu ninho: mudei para o apartamento da minha irmã mais velha, Amália, que havia retornado dos Estados Unidos e fixara residência na Rua Voluntários da Pátria, próximo à Rua da Matriz, cerca de 800 metros da rua onde nasci.

Passei lá um bom tempo. Tempo de aprendizado importante nos meus 13 anos. O meu cunhado, Humberto Leal Ferreira, fiscal da Receita Federal aposentado que reside em João Pessoa, era um homem de princípios rígidos e muito claros em nossa relação.

Tratava-me como a um filho e me remunerava sempre em troca de uma tarefa. Era apenas uma forma carinhosa de me fazer ter responsabilidade e dar valor ao dinheiro.

Certa noite, desejando ir ao teatro com minha irmã, pediu-me que ficasse tomando conta do seu filho, que também se chama Abelardo, um menino de quase um ano de idade que hoje mora em João Pessoa, pai de dois filhos, e é Oficial de Justiça do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba.

Oferecia-me alguns trocados para a missão que eu cumpria com a responsabilidade de um adulto.

Colocava o garoto para dormir e ficava ali, de plantão, vendo televisão e aguardando que chegassem do passeio.

Tinha medo de ficar só e, muitas vezes, julgava que era o menino que me fazia companhia, e não o contrário.

Numa dessas ocasiões, quando o casal ainda não havia chegado, fui surpreendido no meio da noite com os gritos da empregada da vizinha anunciando que tinha um incêndio no prédio.

Abri a porta e vi muita fumaça. Apreensivo, mas sem me desesperar, corri para o quarto, peguei uma toalha molhada, cobri o meu sobrinho, coloquei-o no braço e, imbuído da coragem que me transmitia aquela criança, desci as escadas.

Sete pavimentos até chegar ao térreo, onde havia um carro do Corpo de Bombeiros e muita gente na rua.

Alguns momentos depois, minha irmã e meu cunhado chegaram do teatro, encontrando-me na calçada, com o menino no colo, embrulhado como um presente. O acaso de uma circunstância me fez sentir herói por uma noite.

Crédito da foto: Pixabay